3 de setembro de 2008

textos avulsos

Juca Ferreira: Iphan errou ao liberar obra na BA

Bob Fernandes e Claudio Leal

A retirada do calçamento português da Orla de Salvador provocou uma série de petardos de intelectuais contra a Prefeitura da capital baiana. Autorizadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), as obras substituíram a velha calçada do Porto da Barra, praia mais famosa da Bahia, por granito e concreto. Seis árvores foram cortadas.
Crítico do projeto, o compositor Caetano Veloso qualificou a intervenção urbana do prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) como "crime cultural". "Essa é uma tolice que traz conseqüências sérias e más", sintetizou, em entrevista a Terra Magazine.
O coro de descontentes ganha também o apoio do novo ministro da Cultura, o baiano Juca Ferreira. Eleito duas vezes para a Câmara de Salvador, Ferreira critica a autorização dada pelo Iphan.
- As instituições de preservação federal - no caso, o Iphan - e a estadual, o Ipac, erraram ao permitir essa mudança (...) Esse afã em substituir as marcas coloniais por padrões de urbanização despersonalizados não contribuem para o embelezamento da cidade nem para a melhoria da qualidade do ambiente urbano - analisa o ministro.
O Ministério Público foi acionado para se manifestar sobre o caso. A Prefeitura alega que ouviu todas as instâncias oficiais antes de iniciar as obras. Numa enquete do MP, a surpresa: 62,99% dos votantes foram favoráveis à retirada das pedras portuguesas. Quando mal conservadas, elas são associadas a transtornos para a locomoção.
Um movimento formado por moradores da Barra, arquitetos, professores e artistas pretende organizar um seminário para debater, em 2009, as agressões urbanas e a degradação ambiental de Salvador. Em setembro de 2008, deve haver um pré-seminário que antecipe a discussão.
O dano à paisagem do Porto da Barra será um dos pontos. A aprovação apressada do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), apresentado pelo prefeito a uma platéia de empreiteiros e imobiliárias, será alvo de questionamentos. Um dos organizadores do seminário, o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia, Ordep Serra, apresenta os eixos do debate público:
- A sociedade civil organizada não vai aceitar que isso continue. Vamos tomar providências sérias contra essa onda feroz de ataques à cidade. Estamos convivendo com a desarborização, a aprovação de megaprojetos imobiliários sob a pressão de grandes grupos econômicos, com falta de transparência, atropelando as leis para satisfazer a interesses financeiros - condena Serra.
Em conversa com Terra Magazine, o ministro da Cultura afirma que não se pode "dissimular nem tergiversar sobre o assunto". Juca Ferreira dá razão aos protestos: "Acho que houve um erro claro."
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Terra Magazine - Em Salvador, há problemas relacionados ao planejamento urbano da cidade - entre os quais, o do calcaçamento português da Orla, do Porto da Barra. Como o Ministério da Cultura encara questões como a de Salvador, os choques dos interesses privados e públicos com o patrimônio?
Juca Ferreira - Vou dar minha opinião pessoal. Na verdade, o Iphan teve a posição inicial de não impedir a substituição da pedra portuguesa por cimento e granito. Acho que foi ruim. As instituições de preservação federal - no caso, o Iphan - e a estadual, o Ipac, erraram ao permitir essa mudança. A pedra portuguesa é uma característica das cidades coloniais portuguesas. É uma marca, faz parte da paisagem daquela área da cidade de Salvador.
Esse afã em substituir as marcas coloniais por padrões de urbanização despersonalizados não contribuem para o embelezamento da cidade nem para a melhoria da qualidade do ambiente urbano. Eu, particularmente, se tivesse tido conhecimento na época, ou se fosse o representante regional do Iphan na Bahia, eu teria me manifestado contra. O problema é que tanto o Iphan quanto o Ipac permitiram e agora querem... Como a populaçao reagiu, os artistas da cidade reagiram - Caetano (Veloso) e outros -, eles não estão sabendo o que fazer e estão tentando criar entraves burocráticos para a realização da obra. Eu acho que é equivocado isso. É a favor ou contra? Eu, particularmente, acho que erraram ao permitir a obra.
Conflitos semelhantes têm ocorrido em outras cidades brasileiras...
Tem, sim...
Os institutos de proteção ao patrimônio histórico não precisam ser fortalecidos? Eles não sofrem pressões muito fortes de setores privados?
A pressão não justifica. Pressão existe em todo campo da vida social. Não justifica atitudes de incoerência ou de falta de referência. Acho que erraram, o Iphan local errou, o Ipac errou. Acho que é de se esperar o conflito entre preservação e desenvolvimento urbano, principalmente em um país onde o desenvolvimento urbano é caótico, desordenado, predatório, tanto ambientalmente quanto culturalmente. É para isso que existem as instituições. Não é uma questão de fortalecimento ou não fortalecimento. É uma questão de coerência do gestor responsável por dar a opção, por responder sim ou não, é positiva a retirada das pedras portuguesas ou é um equívoco. E acho que houve um erro. Não se pode dissimular nem tergiversar sobre o assunto. Acho que houve um erro claro. E a cidade está correta em reagir.

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